A fundação de um novo partido não chega a ser uma novidade na vida política brasileira. Desde 1985, quando foram realizadas as primeiras eleições após o fim do regime militar, até as últimas eleições gerais (2012), 80 diferentes partidos participaram de algum pleito. Nesta conta não estão incluídas as mudanças de nome das legendas; por exemplo, o PFL e o DEM foram contados como uma única organização. Uma nova agremiação, o Partido Ecológico Nacional (PEN), já obteve o registro definitivo, mas ainda não fez a sua estreia nas urnas.
Entre estes 81 partidos existem exemplares de quase todo o espectro ideológico e representantes das diversas "famílias" partidárias encontradas nas democracias europeias - conservadores, liberais, ecologistas, social-democratas, democratas-cristãos, comunistas, socialistas e trotskistas -, além de um grande número de legendas pragmáticas, de reduzido teor doutrinário. As exceções relevantes são a ausência no Brasil de partidos que defendem processos de autonomia regional (casos da Liga Lombarda, da Itália, e do Partido Nacionalista da Catalunha, Espanha) e de partidos de extrema-direita, inspirados no fascismo e no nazismo.
A notícia sobre o processo de formação de mais um partido, batizado de Rede de Sustentabilidade, motiva algumas perguntas: que propostas distinguem a Rede das já apresentadas pelos outros partidos nestas quase três décadas anos de experiência democrática? Como o partido pretende se organizar internamente?
Controle do Estado dificulta mudanças no sistema partidário
Como a Rede de Sustentabilidade está em fase de coleta de assinaturas para registro e publicou apenas um documento oficial (o manifesto), temos poucos elementos para identificar quais são as propostas do partido para áreas fundamentais, tais como a gestão econômica, as políticas sociais e a infraestrutura. Por esta razão, me concentro na análise das propostas de organização interna feitas pelos "redistas" (será que assim que eles serão conhecidos?).
Em linhas gerais, a Rede parece se aproximar do formatos dos partidos ecológicos criados em diversos países europeus durante a década de 1980 e começo de 1990. Estes partidos se notabilizaram por dois tópicos. O primeiro é uma crítica ao modelo de desenvolvimento industrialista e a defesa do pacifismo (lembre-se que estes partidos foram criados ainda na vigência da Guerra fria e em plena efervescência da opção pela energia nuclear). O segundo é a crítica à política tradicional e o temor com relação a qualquer forma de institucionalização. O Partido Verde da Alemanha, por exemplo, permitia que um deputado exercesse apenas um mandato - os verdes alemães gostavam de definir a sua organização como um partido-movimento.
Em declarações da principal líder da Rede de Sustentabilidade, Marina Silva, e no estatuto registrado junto ao TSE é possível observar diversos sinais de desconfiança em relação à política tradicional. No estatuto, o partido é apresentado como "uma associação de cidadãos e cidadãs dispostos a contribuir voluntária e de forma colaborativa para superar o monopólio partidário da representação política institucional". A Rede disponibilizará 30% da vagas para serem preenchidas por candidatos avulsos e representantes de movimentos sociais. O partido pretende proibir a filiação de indivíduos julgados como "fichas-sujas".
Ninguém tem dúvida que os partidos brasileiros precisam ser renovados e ganhar maior vitalidade. Mas qualquer tentativa de mudança não pode perder de vista o fato de o Brasil ter um sistema partidário extremamente controlado pelo Estado. O controle envolve diversas dimensões da atividade partidária: listagem das assinaturas na fundação; análise das contas; convenções para apresentação de candidatos, listagem de filiados. Sem contar a dependência que os partidos brasileiros passaram a ter dos recursos do Fundo Partidário.
Para ficar em um único exemplo, a proposta de dispor de 30% de vagas para as candidaturas avulsas esbarra na legislação que exige que para ser candidato um cidadão necessita estar filiado há pelo menos um ano em um partido.
É interessante lembrar que tanto o PT, como o PV defendiam propostas semelhantes quando foram fundados nos anos 1980. Mas, aos poucos, ambos passaram a ter estruturas decisórias muito semelhantes às dos partidos tradicionais. O mesmo processo ocorreu com os principais partidos ecológicos criados fora do Brasil.
Por tudo isso, sou cético a respeito da viabilidade de projetos como candidaturas avulsas, recall de representantes, partidos-movimento e redes pouco institucionalizadas. Acredito que duas outras propostas apresentadas pela ex-senadora Marina Silva (e que receberam menos destaque), contribuirão de maneira mais efetiva para a cultura partidária do país.
A primeira delas é a adoção das primárias como instrumento de escolha dos candidatos do partido (inclusive dos candidatos a cargos proporcionais). Esta é uma excelente forma de ativar a militância e simpatizantes do partido e exigir que os representantes prestem contas de sua atuação junto às bases.
A segunda é o não recebimento de doações de empresas. O estatuto da Rede fala em não recebimento de doações feitas por empresas de tabaco, álcool, agrotóxicos e armas. Mas uma mudança do financiamento da política brasileira só acontecerá quando as campanhas deixarem de ser financiadas pelas empresas. Por isso, o partido deveria ir mais longe e aceitar apenas doações de pessoas físicas (com um teto definido por ano).
Nos anos 1980, os militantes que fundaram o PT sugeriram um novo formato de organização partidária: os núcleos de militantes, as secretarias temáticas, a contribuição voluntária dos militantes (e compulsória dos políticos com cargo). Desde então, nenhum outro partido apresentou alguma novidade para tentar dinamizar a vida interna e ampliar a participação das bases. A Rede pode oferecer alguma contribuição. Isto é claro, se este movimento não for mero pretexto para viabilizar a candidatura de Marina Silva à Presidência da República.
Jairo Nicolau é professor do departamento de ciência política da UFRJ
Fonte: Valor Econômico
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