Um golpe de lanceta pode trazer alívio - e foi esse o primeiro efeito da publicação dos balanços da Petrobrás. O reconhecimento de um prejuízo de R$ 21,58 bilhões em 2014 veio associado à corrupção e a gravíssimos erros administrativos. Todas as grandes petrolíferas do mundo, menos uma, fecharam as contas do ano passado com lucro. O caso da estatal brasileira, um escândalo internacional, tem relação apenas indireta com as condições do mercado e dos negócios no setor de hidrocarbonetos. O cálculo das perdas sintetiza, pelo menos parcialmente, os efeitos de uma ocupação desastrosa da máquina pública, orientada por uma confusão indisfarçável entre partido, governo e Estado.
A tardia divulgação dos balanços auditados - o do terceiro trimestre saiu com cinco meses de atraso - valeu como purgação, como início de uma penitência e como promessa de autocorreção. Com isso a empresa afastou o risco de uma antecipação de cobranças. Se isso ocorresse, o Tesouro teria provavelmente de socorrê-la e a nota de crédito soberano poderia ser novamente rebaixada.
Os problemas da Petrobrás, a maior estatal brasileira, ultrapassam amplamente os limites da companhia. Suas consequências envolvem - e poderiam envolver de modo mais danoso - o governo e a economia nacional. Neste caso, envolvem também, de forma retrospectiva, o governo petista e os interesses políticos e partidários do grupo instalado no poder a partir de 2003.
Ao apresentar as contas do ano passado, os dirigentes da empresa dividiram as perdas em duas grandes categorias. Os danos atribuídos à corrupção foram avaliados em R$ 6,19 bilhões. A depreciação de ativos - uma redução de R$ 44,64 bilhões - foi vinculada a outras causas, na maior parte de natureza administrativa. Nesse grupo se inclui, por exemplo, a reavaliação dos projetos da Refinaria Abreu e Lima, de Pernambuco, e do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). A baixa anunciada superou estimativas do mercado, em torno de R$ 30 bilhões.
Há mais de um argumento para justificar a separação das perdas em duas categorias. Por exemplo: os valores incluídos na primeira estão claramente vinculados a regras penais. Além disso, esses valores foram estimados quase integralmente com base em números apurados na Operação Lava Jato. Para determiná-los, aplicou-se uma taxa de 3% a contratos assinados entre 2004 e abril de 2012. Ao resultado (R$ 5,99 bilhões), foram acrescentados R$ 150 milhões de pagamentos indevidos feitos a empresas fora da investigação da Lava Jato.
Pode-se alegar uma certa objetividade para justificar a segregação desses valores sob a rubrica da corrupção. Mas essa divisão é quase burocrática. Afinal, a multiplicação por oito dos custos estimados para a Refinaria Abreu e Lima terá resultado, mesmo, somente de erros administrativos? E como qualificar as decisões sobre localização de instalações caríssimas ou o controle, por interesses políticos, dos preços de combustíveis? Afinal, todas essas iniciativas comprometeram recursos equivalentes a muitos bilhões, para fins partidários e eleitorais - para objetivos privados, portanto.
Pode haver, legalmente, alguma diferença entre meter a mão no dinheiro, para embolsá-lo ou distribuí-lo, e usar recursos do Tesouro ou de uma empresa estatal para fins particulares. Os partidos, convém sempre lembrar, são entidades privadas. Mas essa possível diferença legal de nenhum modo implica a negação do fato político, o uso de bens públicos para objetivos partidários ou pessoais.
Às decisões desastrosas sobre investimentos, sobre a parceria com a PDVSA, sobre a compra da Refinaria de Pasadena e sobre a contenção de preços dos combustíveis é preciso acrescentar, naturalmente, o aparelhamento e o loteamento de postos administrativos. Ações como essas, nos últimos 12 anos, envolveram muito mais do que a Petrobrás e afetaram tanto a administração pública direta como a indireta. Pode ter começado a reconstrução da Petrobrás, com a publicação dos balanços, e essa é uma boa notícia. Mas a reconstrução necessária é muito mais ampla e dessa nem se começou a falar.
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