sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Alberto Carlos Almeida - Os poderes em outro compasso

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Desde fevereiro tenho chamado a atenção nesta coluna para os resultados deletérios do conflito entre a presidência da Câmara, ocupada por Eduardo Cunha, e a Presidência da República, exercida por Dilma Rousseff. O conflito entre esses dois poderes da República foi um tema recorrente.

Logo depois do Carnaval, referindo-me a várias derrotas sofridas pelo governo na Câmara, escrevi: "A eleição de Cunha para a presidência da Câmara representa uma derrota significativa para o governo. Trata-se da 'mãe de todas as derrotas' que se seguiram, e já foram várias. Há duas comissões parlamentares, no âmbito da Câmara, que são de grande importância para o processo legislativo, em particular quando o governo Dilma terá que aprovar novas medidas econômicas, que são uma inflexão na comparação com a política macroeconômica adotada no primeiro mandato. Tais comissões são a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e a Comissão de Finanças e Tributação (CFT). Os parlamentares que estarão à frente das duas comissões são figuras de confiança de Cunha e, portanto, não necessariamente irão defender a posição do governo".

Na mesma coluna já chamava atenção para a necessidade de o governo negociar e ceder, com a finalidade de alcançar um processo legislativo mais amigável, que tivesse como resultado tanto a aprovação de matérias de interesse do governo quanto a rejeição de pautas que o prejudicassem. Quanto a isso, afirmei: "É possível que a "mãe de todas as derrotas" não tenha sido a vitória de Cunha para a presidência da Câmara, mas sim o fato de o governo não ter entrado em campo em 2015 no que diz respeito às negociações entre Poder Executivo e Legislativo. Trata-se de um apagão político. A metáfora com o 7 a 1 do Brasil e Alemanha é perfeita. A diferença é que uma partida de futebol é imensamente mais curta do que um mandato presidencial. Recuperar-se de um apagão político é muito mais factível do que de um apagão futebolístico".

É bem interessante que a primeira semana de setembro marque uma mudança no padrão de relacionamento entre Cunha e Dilma. Não sabemos ainda se essa mudança veio para ficar, mas é fato que, ao menos nesta semana, ela aconteceu. Em primeiro lugar, o próprio Cunha já vinha dando sinais de que recuava de sua postura pública mais beligerante contra o governo. Isso ocorreu de maneira mais intensa após a votação em primeiro turno da emenda constitucional que, entre outras coisas, vinculava os salários da Advocacia Geral da União aos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Cunha foi duramente criticado por ter colocado essa matéria em votação. Desde então, ele mudou.

Para muitos, surpreende que Dilma e Cunha tenham se reaproximado. Pois bem, nesta semana, Dilma convidou Cunha para conversar e ele foi. Após o encontro, Dilma declarou que precisava ter um canal direto de relacionamento com o presidente da Câmara. Cunha, por sua vez, afirmou que tinha um relacionamento institucional com a Presidência da República. Agosto, mês do desgosto, terminou. Ambos começam setembro desarmados.

Aliás, o tema do desgosto em agosto esteve presente nesta coluna. Tive a oportunidade de afirmar: "Todo conflito é desgastante, ainda mais quando é público, contínuo, crescente e contra o governo. Há muitos indícios de que agosto será um mês de conflito crescente entre Cunha e o governo. Conflitos crescentes são insustentáveis no longo prazo. A tendência é que em algum momento, em função de um desfecho qualquer, o conflito diminua".

Ainda que a eventual denúncia contra Cunha nada tenha a ver com ações do Poder Executivo, o resultado de um conflito crescente pode ser o enfraquecimento político dele em função do que será divulgado pela imprensa quando a denúncia for formalizada. Tal enfraquecimento poderá resultar no afastamento de Cunha de suas funções. Há também uma segunda possibilidade, a de que Cunha vença a queda de braço e coloque em votação, com sucesso, a abertura do processo de impeachment de Dilma. A probabilidade de que isso ocorra, no momento, é baixa. Por fim, uma terceira possibilidade é que o conflito retorne aos mesmos níveis do semestre passado. Nesse caso, Cunha permaneceria forte e em seu cargo, mas abandonaria a atual posição política de oposição radical ao governo.

Também escrevi: "Os eleitores, trabalhadores, empresários, habitantes de São Paulo, nordestinos, aqueles que votaram em Dilma em 2014, os que votaram em Aécio, os eleitores de Marina, a sociedade de um modo geral nada têm a ver com a atual escalada de conflitos. Todos perdemos, e muito. O que queremos é uma redução do conflito da forma menos traumática possível. Esperamos que nossos líderes sejam capazes de viabilizar - para nosso gosto, em agosto - uma saída dessa natureza".

Como se vê agora, ninguém suporta conflito demais. Nem Cunha. Aliás, registrei também nesta coluna a estranheza em relação ao comportamento político do presidente da Câmara. Referindo-me à sua beligerância pública, disse: "O que mais surpreende na reação de Cunha é que ela não está de acordo com a tradição pemedebista de fazer política. O PMDB é um partido de raposas. Como se sabe, a adjetivação de raposa aplicada à política tem a ver com esperteza, habilidade, dissimulação. Por favor, não façam julgamento de valor. Essas características podem não ser úteis em outros mundos profissionais, mas no mundo da política, são. A raposa caça sorrateiramente. Ela se aproxima da presa sem que a presa perceba. Só assim consegue atingir seu objetivo. Os políticos, em muitas situações, não revelam suas verdadeiras preferências e objetivos, esta é a condição, com frequência, para alcançá-los. Cunha vem fazendo o oposto disso".

Pelo visto, ao menos nesta primeira semana de setembro, Cunha passou a agir mais como raposa.

Na última coluna, há exatamente duas semanas, afirmei que o centro da crise política era um só: a natureza oposicionista da atuação de Cunha à frente da Câmara dos Deputados. Muitos observadores da política ignoram o imenso poder, tanto do presidente da Câmara quanto do presidente do Senado. Eles controlam a agenda legislativa. Cabe a eles decidir o que vai ser votado e quando. Iniciativas legislativas que estavam paradas na Câmara há mais de 20 anos foram votadas agora, simplesmente porque Cunha assim quis. Portanto, Dilma tem muito a ganhar, caso haja uma aproximação com Cunha. Foi justamente o que disse em outra coluna recente: "Grande parte da atual crise política tem a ver tanto com o relacionamento entre o Poder Executivo e o PMDB, quanto com o fato de o atual presidente da Câmara, aquele que tem o controle da agenda legislativa de uma das casas do Parlamento, ter sido escolhido pelos seus pares para o cargo ao derrotar, em fevereiro, o candidato apoiado pelo governo. Atender às demandas do PMDB e acomodar-se com Cunha aliviaria em muito a atual crise".

Não é que a entrada de setembro pode ser o início dessa acomodação?

Obviamente, é imensa minha felicidade ao notar que previsões feitas neste espaço desde fevereiro estão acontecendo. Entre tais previsões estão a baixa probabilidade do impeachment e a maior probabilidade de que Dilma e Cunha acabassem por se acomodar. É verdade que tal acomodação é uma obra inacabada, ou apenas está no início. O fato é que ambos perceberam, com a ajuda de outros atores, como os grandes empresários, deputados e senadores, que o conflito exacerbado e prolongado não era bom para ninguém. Como disse, brigar demais é cansativo.

Dilma e Cunha têm um grande desafio pela frente: equacionar o déficit do orçamento. Trata-se, por um lado, de uma chance para que ambos se aproximem e, por outro, de uma dificuldade neste início de reaproximação. Cabe aqui o batido chavão de que é na crise que surgem as grandes oportunidades. Oxalá Dilma e Cunha as aproveitem.
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Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de “A Cabeça do Brasileiro” e “O Dedo na Ferida: Menos Imposto. Mais Consumo”

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