segunda-feira, 19 de setembro de 2016

À beira do precipício - Ricardo Noblat

- O Globo

“Chiste que caiu na internet: “El ‘comandante máximo’, todavia, soy yo!” De Fidel Castro para Lula

Exagero se disser que o mundo quase desabou sobre a minha cabeça quando escrevi, em 2005, tão logo José Dirceu foi apontado como chefe do esquema do mensalão, que a denúncia contra ele carecia de provas convincentes. Apanhei feio dos leitores do meu blog. Amparava-me na opinião de meia dúzia de juristas que consultara — um deles o atual ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal.

DIRCEU FOI condenado como mensaleiro, mas absolvido da acusação de chefiar o esquema que subornou deputados para que votassem como o governo mandava. Passou quase um ano preso na penitenciária da Papuda, em Brasília. Foi preso novamente e condenado pelo juiz Sérgio Moro a 23 anos de cadeia por beneficiar-se do dinheiro desviado da Petrobras que enriqueceu empreiteiros e políticos.

UM ANO ANTES, ele havia profetizado em conversa com amigos: “De que serve toda a covardia que o Lula e a Dilma fizeram na ação penal 470 (a do mensalão) e estão repetindo na Lava-Jato? Agora estamos no mesmo saco, eu, o Lula, a Dilma”. Embora não cogite delatar, Dirceu valeu-se de recados nos últimos 11 anos para dizer que, se o mensalão e o petrolão tiveram um chefe, não foi ele.

AO JORNAL “O Estado de S.Paulo”, afirmou: “Nunca fiz nada que Lula não soubesse”. Ouvi dele antes do julgamento do mensalão: “Lula se disse traído, mas traído por quem? Por mim? Por Delúbio Soares (extesoureiro do PT)? Todo mundo sabe que Delúbio sempre foi muito mais ligado a Lula do que a mim. É homem dele, não meu”. Delúbio foi condenado a oito anos e 11 meses de prisão.

MAL LULA SE elegeu presidente pela primeira vez, batizou Dirceu de “capitão do time” que montara para governar. Mal o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) detonou o escândalo do mensalão poupando ele, mas acusando Dirceu, Lula tratou de livrar-se do “capitão”. Despejou-o do governo. Quis convencê-lo a não assumir o mandato de deputado federal. Dirceu assumiu e foi cassado.

“LULA É UM político conservador, sempre foi. Mas seria o único meio que as esquerdas tinham de chegar ao poder ou de se aproximar dele. Acabou decepcionando a todos”, revelou-me Dirceu. “Ele deveria ter defendido o governo dele dizendo que o governo não era corrupto. Errou ao falar de traição. (...) É um indeciso. Não comanda, é levado. Só decide sob pressão”.

NEM SEMPRE é mal só decidir sob pressão. Atribui-se ao ex-presidente José Sarney uma frase que ele não disse: “Cinquenta por cento dos problemas não têm solução. E os outros cinquenta por cento se resolvem sozinho”. Sob pressão ou não, o mal está em decidir errado. Lula decidiu certo ao entregar a cabeça de Dirceu para salvar a sua. Reelegeu-se, elegeu Dilma e reelegeu-a.

DECIDIU ERRADO ao imaginar que só haveria um meio de manter o poder: deixando que roubassem e usufruindo do roubo. Seus comparsas reagiram com fúria aos procuradores da Lava-Jato que o nomearam “o presidente máximo, o general, o comandante” da organização criminosa responsável pelo mensalão e pelo petrolão, que não passaram de uma coisa só.

PARECEM ESQUECER que algo do mesmo tipo já fora dito por Rodrigo Janot, procurador-geral da República, em denúncia contra Lula e Dilma por obstrução da Justiça encaminhada ao Supremo Tribunal Federal em maio último. Janot afirma que Lula teve “papel central” na trama para tentar barrar a Lava-Jato. Se não fosse culpado, por que procederia assim?

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