“O outro 11 de setembro, mais recuado no tempo, vestiu-se com o léxico obviamente mais racional do marxismo e suas formas de entender a História, não obstante o histórico sectário de tantos marxistas. Tratava-se, no bravo e pequeno Chile, de fazer uma transição de novo tipo para o socialismo, mantendo vivas as instituições básicas da democracia, como, entre outras, o Parlamento e as eleições regulares. Bem verdade, repetimos, que nem todos os marxistas, no Chile e fora dele, falavam a língua mais razoável: estamos na América Latina e, aqui, o paradigma da revolução regeneradora, hostil à “via pacífica”, organizava, e organiza, teoria e prática de parte considerável da esquerda, dos adeptos da revolução cubana até o bolivarianismo dos nossos dias.
O que já está registrado na História é que a reação da direita chilena – apoiada por aberta ação norte-americana de tipo imperial, que só seria revertida no governo Carter, com sua agenda dos direitos humanos – foi especialmente violenta, matando Allende e cancelando a democracia por quase duas décadas. A tragédia foi de tal ordem que terminou por abrir dolorosa reflexão entre os comunistas fora do poder, como o italiano Enrico Berlinguer, então à frente do maior Partido Comunista do Ocidente.
Berlinguer, comprovando que a esquerda clássica, diferentemente do deserto atual, soube produzir políticos capazes de falar a todos, e não só à própria parte, logo intuiu que a divisão radical das sociedades em dois campos inimigos é sempre a antessala da catástrofe. Antes de significar um bom encaminhamento de qualquer estratégia de reformas, tal divisão pressagia a derrota das forças reformistas e, levada às últimas consequências, antecede a ruína comum de partidos e forças em luta, com a explosão mais ou menos incontrolada da violência e a inviabilização da convivência civil.”
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*Tradutor e ensaísta, é um dos organizadores das ‘obras’ de Gramsci no Brasil. ‘O que setembro nos ensina’, O Estado de S. Paulo, 18/9/2016
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