terça-feira, 14 de junho de 2022

Carlos Andreazza: Doador compulsório

O Globo

Paulo Guedes não falou em congelamento de preços. Talkey? Sejamos exatos. Travamento — foi o que propôs. Trava! Ele prescinde do gelo. Vamos sem analgesia. Palestrou:

— Nova tabela de preços? Só em 2023. Trava os preços! Vamos parar de aumentar preços aí. Dois, três meses. Nós estamos em uma hora decisiva para o Brasil.

Avalie-se a carga de uma fala como esta:

— Vamos parar de aumentar preços aí.

Ele constrange. Registra, porém:

—É tudo voluntário.

Convite aos supermercadistas patriotas. (Mas que não se esqueçam: a Petrobras está sob intervenção.)

Está desesperado. Nada a ver com o futuro da economia brasileira. Apela, agora terceirizando, para um conjunto de puxadinhos — “mais Brasília, menos Brasil” — capaz de forjar baixa artificial da inflação até o fim de outubro. É guerra.

Nesse esforço de guerra, pretende-se gastar, em subsídios, uma Eletrobras — talvez mesmo duas, considerado o volume de renúncias fiscais. Daqui até o fim do ano, pelo menos R$ 30 bilhões para subsidiar indiscriminadamente, entre outras derramas eleitoreiras, a gasolina; a gasolina de quem tem dinheiro sobrando. Flávio agradece.

Bolsonaro, presidente do governo gambiarra, havia conclamado os caminhoneiros a fiscalizar os preços dos combustíveis nas bombas. Guedes constrange supermercadistas a segurar reajustes nas gôndolas. O ministro da Economia armando uma adaptação do mantra bolsonarista: “Deixem os custos em casa. A conta a gente vê depois”.

O estelionato eleitoral é explícito na forma do horizonte: os aumentos a ser represados por dois, três meses. Só isso, pessoal. Voo de gado. Represamento até as eleições — é o que se está pedindo. E depois a gente vê. Depois a gente paga, os mais pobres sobretudo. A gente sabe: a inflação que ora se quer reduzir, contratando endividamento, a mostrar mais dos dentes — rompida a barragem — no ano que vem, mais longa a ser a depressão dos juros altos.

A incompetência é circular. Idem, a molecagem. O ministro da Economia de um presidente cuja fabricação de instabilidades é o único fator estável a compor a inflação que nos sufoca pedindo a empresários que, nas palavras de Bolsonaro, tenham “o menor lucro possível” para que esse gerador de imprevisibilidades, gerador de carestia, possa ser competitivo em outubro e continuar em sua gestão corrosiva do equilíbrio republicano. A política faz o preço. O que faz o conflito?

O pedido de Guedes é por uma existência fora do mundo real; para um efeito devastador concreto e realmente duradouro.

É o que se pretende fazer — três meses à parte da realidade — na Petrobras sob intervenção do liberalismo à sachsida. Embolar a troca no comando de modo que uma companhia paralisada, com a ex-direção em atividade deslegitimada, não tenha força para mexer em preço. Interdição a ser tocada, completada, pelo caio que afinal a assumir. Empurra; depois solta.

— Nós estamos em uma hora decisiva para o Brasil.

Traduza-se Guedes, porque o ministro há muito fala bolsonarês castiço. “Nós estamos em uma hora decisiva para a reeleição de Bolsonaro”. Aquela noção populista de que o país, o povo brasileiro, é o governo — o interesse do governo. O povo quer queimar R$ 50 bilhões para que o orçamento secreto continue protegendo a família brasileira.

Um pouco mais do desespero de Guedes, agente indutor ele próprio para a persistência da inflação entre nós, aquele que achava que dólar alto não seria de todo mau, que acreditou — apostou — no fim da pandemia (não haveria segunda onda) ao final de 2020 (com o que o governo negligenciou a compra de vacinas) e que destelhou o teto de gastos avaliando que o descalabro fiscal não concorreria para a disparada dos preços:

— É hora de dar um freio nos preços. Empresários precisam entender que temos que quebrar a cadeia inflacionária.

Freio. Até as eleições. Freio. Não congelamento. Talkey? Os empresários precisam entender que temos de maquiar a cadeia inflacionária por três meses — e que a forma de fazer isso é abrindo mão de lucros de maneira a subsidiar o humor do consumidor que andava pagando 20 guedes no quilo do tomate.

Atenção para o uso do verbo precisar pelo ministro em sua pregação por represamento. “Empresários precisam entender que temos de quebrar a cadeia inflacionária.” Informa muito sobre sua noção de adesão voluntária. E é eloquente sobre a forma como o governo repassa aos outros suas responsabilidades. Sejamos óbvios: Guedes pede — intimida? — que empresas privadas financiem a blitz pela reeleição de Bolsonaro.

Voltou o financiamento empresarial de campanha?

Os empresários ainda têm escolha. (Ainda.) Você, não. Você pode não votar em Jair Bolsonaro, mas é doador compulsório da campanha dele.

2 comentários:

Anônimo disse...

É incrível como você jornalistas perderam a noção da ética profissional em campanha declarada por um bandido corrupto condenado questão não governo que até agora nada foi provado de problemas que estamos crescendo mais do que a média de todos os países do mundo e vocês querem o ladrão de volta que Deus tenha piedade de nós e principalmente de vocês

ADEMAR AMANCIO disse...

E viva Carlos Andreazza!