Folha de S. Paulo
Presidente preserva força, mas petista une
popularidade, plataforma e decisão de punir o governo
Em 2018, os brasileiros foram às urnas em
busca de ruptura e elegeram Jair
Bolsonaro (PL) com 57 milhões de votos. Quatro anos depois,
praticamente o mesmo contingente de eleitores tentou dar um segundo mandato ao
presidente. Mas outra coalizão, mais numerosa, levou o país a um rumo
diferente.
A vitória de Lula (PT) é
resultado da soma de forças que marcaram a disputa: a decisão de devolver ao
poder um dos nomes mais populares do país e a punição ao primeiro líder incapaz
de alcançar a reeleição.
Nenhuma delas foi absoluta. Lula teve de amortecer um antipetismo que fincou raízes no ambiente eleitoral brasileiro e foi potencializado pela campanha rival. Bolsonaro mostrou vigor e explorou a máquina pública de maneira inédita para aglutinar um eleitorado que fez vista grossa a um governo desastroso.
Lula não venceu apenas pela rejeição a
Bolsonaro. A memória de gestões passadas, uma plataforma focada na população de
baixa renda e uma caminhada decidida em direção ao centro permitiram que ele
concluísse uma trajetória que, em menos de três anos, levou-o da prisão para o
Palácio do Planalto.
Já a votação de Bolsonaro permite que ele
preserve uma força política que não pode ser ignorada. Milhões observaram seu
desempenho, avaliaram seus planos para o futuro e quiseram que ele fosse
adiante.
Mas a conta final representa um recado
implacável num cenário político que costuma ser generoso com candidatos à
reeleição. A experiência do país com a economia,
a conduta do governo na pandemia e o pendor autoritário do presidente
estabeleceram resistências insuperáveis em parte do eleitorado.
O conflito institucional fomentado pelo
presidente assumiu protagonismo na formação de uma coalizão para derrotá-lo.
Uma mensagem nítida na derrota foi a intenção de frear esse processo de
degradação.
Para implantar sua plataforma num quadro de
menor controle institucional, Bolsonaro atuou desde o primeiro dia de mandato
para remover as amarras impostas pela lei e por outros órgãos da República.
Depois de uma fase inaugural marcada por
embates, ele domou o Congresso e formou uma maioria parlamentar abastecida
por repasses de dinheiro público. Aposentou, assim, a fantasia
antissistema que o mantinha afastado de mesas de negociação com grandes
partidos políticos.
Em seguida, investiu no desgaste do
Judiciário. Nos últimos meses de campanha, não escondia que buscava um segundo
mandato para enquadrar ministros do STF que ele enxergava como obstáculos.
Os eleitores puniram Bolsonaro pelas
escolhas que ele mesmo fez. Na pandemia, priorizou o próprio cargo ao mandar os
brasileiros às ruas sem vacina e com a falsa proteção da cloroquina. Confessou
o que o afligia em março de 2020: "Se a economia afundar, acaba o governo.
Há disputa de poder nisso daí".
A decisão de minimizar os riscos da Covid,
as declarações em que fazia pouco caso das mortes e o atraso na compra de
imunizantes se tornaram um peso para o eleitor ao decidir se ele merecia mais
quatro anos.
Manobras adotadas pelo governo na economia
ajudaram Bolsonaro a criar uma sensação artificial de bem-estar que o manteve
no jogo, mas não foram suficientes para suavizar o julgamento das urnas.
O comportamento errático em relação à
inflação e às políticas sociais tornaram pouco convincentes as medidas anunciadas
às vésperas da eleição. Bolsonaro deixou em segundo plano uma agenda
relacionada à melhora da vida da população e apostou na mesma plataforma
divisiva com a qual venceu em 2018. Muitas das decisões do presidente foram
tomadas com o objetivo de fidelizar seu eleitorado, proteger seu grupo político
de investigações e reforçar as linhas de seu discurso.
Nos últimos meses, refez promessas de
ampliar o acesso a armas de fogo –com referências pouco sutis a um embate com
seus rivais políticos. Em busca de sobrevivência, intensificou a
instrumentalização de valores religiosos e tentou posicionar no centro do palco
uma campanha baseada no pânico conservador.
Bolsonaro deve insistir nesse processo como linha mestra de sua doutrina política, aliada ao possível (ou quase certo) questionamento do resultado da votação. A partir de 1º de janeiro de 2023, no entanto, esse trabalho deverá ser feito nos palanques da oposição.
2 comentários:
"um eleitorado que fez vista grossa a um governo desastroso."
Gado é gado.
Venceu o Brasil da união!
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