quarta-feira, 26 de abril de 2023

Metade dos ministros do STF vota pela volta de contribuição sindical

Analistas avaliam que volta do pagamento traria insegurança jurídica e que o tema deveria ser discutido no âmbito de uma reforma

Por João Sorima Neto, Daniel Gullino e Mariana Muniz / O Globo

O Supremo Tribunal Federal (STF) está a um voto de voltar a autorizar a contribuição assistencial de trabalhadores não sindicalizados de forma compulsória. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, mas Edson Fachin e Dias Toffoli decidiram antecipar seus votos. Com isso, até agora, o placar está cinco a zero, faltando apenas mais um voto para a maioria ser atingida.

O STF tem 11 ministros, mas está funcionando com dez por causa da aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski. Caso a maioria seja atingida, o STF vai, na prática, mudar seu posicionamento sobre o tema. Em 2017, a Corte considerou inconstitucional a cobrança compulsória da taxa de trabalhadores não sindicalizados.

Embora entidades sindicais elogiem o rumo do julgamento, que poderia significar mais recursos para os sindicatos, especialistas em mercado de trabalho consideram essa possível mudança um retrocesso. E listam contradições. Eles ressaltam três pontos problemáticos caso a contribuição seja aprovada:

Não há prestação de contas sobre como os sindicatos usam os recursos.

Não existe liberdade sindical no país. O trabalhador não pode escolher a qual entidade gostaria de se filiar, já que a legislação só permite um por categoria.

A decisão eleva a insegurança jurídica, além de abrir caminho para a volta do imposto sindical.

A contribuição assistencial é um tipo de taxa usada para custear as atividades do sindicato. Ela é estabelecida em assembleia de cada categoria e não tem valor fixo. Hoje, é cobrada apenas dos trabalhadores sindicalizados.

Ela é diferente da contribuição sindical, mais conhecida como imposto sindical, que é cobrada anualmente e corresponde a um dia de trabalho. Desde a reforma trabalhista de 2017, no entanto, o imposto sindical só pode ser cobrado dos trabalhadores que derem “autorização prévia e expressa”. O julgamento atual do STF não afeta esse tipo de contribuição.

O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, havia sido contrário à cobrança no passado, mas mudou de opinião convencido pelo voto de Luís Roberto Barroso, que defendeu que a cobrança é possível, desde que haja o “direito de oposição”, ou seja, que o trabalhador tenha a opção de decidir se quer pagar ou não.

‘Contraria o texto da CLT’

O professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo Helio Zylberstajn lembra que o STF voltou atrás depois do fato julgado, ou seja, já existe jurisprudência da não obrigatoriedade da contribuição assistencial:

— É tudo esquisito nessa volta da contribuição. Sou a favor da obrigatoriedade da cobrança pelo serviço que o sindicato oferece. O problema é que, no modelo brasileiro, se cria um mercado que é um monopólio, já que só pode existir um sindicato de cada categoria. É um mercado cativo e todos têm que pagar. A verdade é que esta é uma questão mal resolvida no Brasil, já que não há questionamento sobre a representatividade do sindicato. Seria preciso uma reforma sindical no país.

Ele lembra que, em outros países, existem outras formas de financiar os sindicatos. Em alguns, o Estado terceiriza a intermediação de mão-de-obra aos sindicatos e paga por isso.

Zylberstajn enfatiza que, numa democracia, os sindicatos precisam existir para representar os direitos dos trabalhadores. Mas o melhor seria ter vários sindicatos e o trabalhador pagaria para aquele em que estivesse satisfeito.

‘Muitos não conseguem exercer direito de oposição’

Para Paulo Rogério de Oliveira, especialista na área trabalhista no Bastos-Tigre, Coelho da Rocha, Lopes e Freitas Advogados, a imposição do pagamento da contribuição vai de encontro à livre associação sindical prevista na Constituição. Ele pondera que isso gera custo adicional ao empregado, já que nem sempre ele consegue se opor à cobrança.

— Mesmo que seja assegurado o direito de oposição do trabalhador, muitos não conseguem exercê-lo porque não há ampla divulgação do prazo para contestação. Na prática, ele acaba sendo obrigado a pagar a contribuição. O melhor seria que os sindicatos buscassem outros meios para custear sua manutenção.

Para Oliveira, a mudança de entendimento sobre a constitucionalidade da cobrança, através do julgamento de embargos de declaração, traz insegurança jurídica pois abrirá a porta para que a parte insatisfeita com a decisão ingresse com embargos de declaração para discutir o mérito.

‘O Poder Judiciário está legislando’

A advogada Silvia Monteiro, sócia e especialista em direito do Trabalho no Urbano Vitalino Advogados, defende que o tema seja discutido em uma reforma sindical:

— Ao permitir a criação da contribuição assistencial, sem a prévia anuência do trabalhador, contrariando o texto da CLT, entendo que o Poder Judiciário está legislando, e não julgando, como deveria ocorrer no caso.

Alternativa justa e adequada’

O fim do imposto sindical foi um grande avanço da reforma trabalhista, diz Rafael Grassi, sócio do escritório TPC Advogados. Ele era obrigatório e o sindicato só ficava com uma parte desse imposto, pois tinha que dividir a arrecadação com federações e confederações sindicais.

— O que se discute agora é uma contribuição assistencial a ser aprovada em assembleia dos trabalhadores interessados, incluída em acordo coletivo de trabalho, resguardado o direito individual de recusa. É uma alternativa justa e adequada, pois os sindicatos precisam de recursos para defender a categoria — diz.

Ele observa que seria preferível que o tema fosse discutido e regulado pelo Poder Legislativo numa reforma sindical:

— Mas até que isso seja feito, e se for feito, cabe ao Poder Judiciário resolver a questão. Uma decisão do STF autorizando a contribuição assistencial não aumentará a judicialização, ao contrário, trará segurança jurídica para aqueles que pretendem implantá-la e fortalecerá os atores sociais da negociação coletiva.

O julgamento, que ocorria no plenário virtual, estava previsto para terminar na segunda-feira. No entanto, na sexta-feira, Alexandre de Moraes pediu vista (mais tempo para análise). Apesar da interrupção, os ministros podem optar por antecipar seus votos, e foi o que fizeram Fachin e Toffoli. Antes do pedido de vista, Cármen Lúcia também já havia votado de forma favorável.

Ainda faltam votar quatro ministros: Alexandre de Moraes (que pediu vistas), Nunes Marques, Rosa Weber (presidente da corte) e Luiz Fux.

O ministro André Mendonça, que substituiu Marco Aurélio Mello no ano passado, não votaria. Mello já votou, seguindo o voto de Gilmar, que na época fora contrário à contribuição assistencial obrigatória aos sindicatos. O STF ainda terá de decidir se vai considerar ou não o voto do ex-ministro, uma vez que o relator alterou o seu posicionamento.

Em tese, o voto de Mello continuaria valendo no plenário virtual. Mas o plenário pode entender que, como o relator mudou seu voto, a posição de Marco Aurélio fica prejudicada. Neste caso, Mendonça seria chamado a votar. Isso só será definido no momento da proclamação do resultado.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Caldo de galinha e um pouco de cultura jurídica não fazem mal a ninguém.