Valor Econômico
Com o pomposo nome de repactuação da agenda do próximo biênio, Alcolumbre e Lira querem tomar conta do Executivo
O governo escapou de uma derrota, mas o
enrosco da taxação das compras internacionais até US$ 50 trouxe à tona a
antecipação de um cenário marcado para acontecer depois das eleições
municipais. A alcunha de “Dilma III”, que persegue a trajetória fiscal do
governo, agora invade a política.
Na comparação, o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva sempre deixou a sucessora coberta de poeira. Não se deixaria dominar
pelo Centrão porque é do ramo. Mas eis que o “imposto das blusinhas” revelou
que nem mesmo o mais experiente dos presidentes está a salvo. O senador Davi
Alcolumbre (União-AP) e o deputado Arthur Lira (PP-AL) não querem apenas
renovar o poder no Legislativo. A empreitada tem um nome pomposo, repactuação
da agenda do próximo biênio, mas se trata de tomar conta do Executivo.
O único capaz de barrar este assalto, diz o
PT, é Lula. Mas o presidente não apenas ganhou por margens estreitas como
também é por elas contido. Lula I peitou a taxação dos inativos porque não
havia quem disputasse a base da sociedade com sua liderança.
Agora a desvinculação da Previdência do salário mínimo está fora de cogitação, a despeito de déficit potencialmente explosivo, porque Lula tem a direita no encalço de sua base como nunca antes na história.
A disputa se estende da base ao topo. A
despeito de o PIB ser crescido no primeiro trimestre acima das expectativas, do
mix emprego em alta e inflação em queda, o azedume no topo da pirâmide cresce à
medida que a ênfase na receita não é acompanhada de corte de gastos.
Quando se anunciou que o governo pretendia
propor a taxação da previdência privada, grupos de WhatsApp de executivos do
mercado financeiro explodiram. Queixavam-se de que, além da taxação dos fundos
offshore e exclusivos, tributariam herança para “dar dinheiro pro Judiciário e
pro Congresso”. Foi o risco de o azedume chegar à classe média, porém, que
levou ao recuo.
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner
(PT-BA), disse a “O Globo” que não se pode exigir protagonismo na articulação
de quem voltou ao poder depois de prisão em que foi impedido de ir ao enterro
do irmão, esteve no do neto como se fosse um traficante e assistiu a
comemorações da morte da ex-primeira-dama, Marisa Letícia.
Ao reconhecer as dificuldades que enfrenta
para cumprir suas tarefas, Wagner sugere que a do presidente se esgotou com a
derrota do bolsonarismo, mas são as margens estreitas pelas quais Lula se move
que fazem com que os chefes do Legislativo se apresentem para o serviço.
Virou moeda corrente hoje no Senado a
constatação de que um governo não pode lidar com um Congresso de centro-direita
com todos os cargos de liderança e, principalmente, cargos-chave no Palácio do
Planalto, nas mãos do PT. Alcolumbre tem uma solução para este problema: lá
instalar o atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de preferência
na Casa Civil.
Passou a se posicionar de forma mais decidida
depois de concluir que Lira segue determinado a fazer um combo da disputa da
mesa com a ocupação da Saúde. Sua titular, Nísia Trindade, é “acusada” de se
dedicar ao SUS, deixando a saúde privada e, principalmente, os interesses
privados na Pasta de lado. É este o pano de fundo da disputa de Lira com o
ministro Alexandre Padilha.
O PT é useiro e vezeiro em entregar a Saúde
para o MDB quando a água ultrapassa a linha do pescoço. Lula I manteve a Pasta
com o PT (Humberto Costa) até o mensalão, quando a entregou ao MDB (Saraiva
Felipe). Lula II partiu para o abraço com o partido sanitarista de ponta a
ponta (Agenor Alvares e José Gomes Temporão). Dilma I fechou com o PT
(Padilha), e Dilma II também começou com o partido (Arthur Chioro), mas
entregou a Pasta para o MDB (Marcelo Castro) na vã tentativa de se salvar do
impeachment.
Quando Michel Temer assumiu, achou por bem
retribuir os préstimos do PP à sua posse e lhe entregou a Saúde (Ricardo
Barros). Jair Bolsonaro manteve os cargos de segundo escalão do PP, que agora
quer retomá-los e pegar o comando da Pasta de volta.
A vitória de Lira na sucessão da mesa
diretora é uma pré-condição. Daí o jogo de Alcolumbre ao prestigiar como
relator de matéria tão crucial um senador, como Rodrigo Cunha (Podemos-AL),
capaz de embaralhar o jogo de Lira, que busca, nessas eleições municipais,
montar as bases de sua vaga no Senado em 2026.
Turbinado pelo acordo com a Braskem, que
entregou R$ 2,7 bilhões à Prefeitura de Maceió pelo dano ambiental causado à
cidade, o atual prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, não apenas deve se
reeleger como tem tudo para disputar cargo majoritário em 2026.
Por isso, Lira pretendia colocar um aliado na
sua vice e inibir sua desincompatibilização do cargo. Ao escapar dessa
armadilha convidando Cunha para vice, JHC sugere que a competição pelo Senado
será mais acirrada do que Lira esperava, visto que o senador Renan Calheiros
(MDB) também pretende renovar sua cadeira.
A dificuldade possibilitou a Alcolumbre e
Pacheco oferecer a solução, com a derrota da manobra de Cunha. O episódio,
porém, deixa claro que os enroscos não se limitam às pautas de segurança ou de
costumes. Invadem as votações que podem garantir fôlego fiscal ao país. O
Congresso estica a corda para forçar os portões da cidadela lulista. O problema
de o presidente escancará-los agora é o que entregar depois da dificílima
eleição municipal que tem pela frente.
3 comentários:
Ninho de cobras !
😏😏😏
Excelente! E realmente!
Ninho de serpentes,rs.
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