Ao se convencer de que o Supremo Tribunal Federal seria duro com os réus do mensalão
e despacharia para a cadeia cabeças coroadas do seu governo, Lula observou,
outro dia, numa roda de amigos: "Não serão juízes que escreverão o último
capítulo da minha biografia, mas o povo." A memória coletiva é falha. Não
costuma guardar frases longas. Lula poderia ter dito algo do tipo: "A
História me absolverá."
FOI FIDEL CASTRO quem disse, em 1953, depois da tentativa malsucedida de
assaltar o quartel de Moncada, na província de Santiago de Cuba. Como advogado,
fez questão de se defender no tribunal. Aí cometeu a frase. Não sei se a
História absolverá Fidel. No caso de Lula, é cedo para prever quem escreverá o
último capítulo de sua biografia. Só digo para não confiar muito no povo.
EM 1960, por exemplo, Jânio Quadros se elegeu presidente com uma votação
recorde. Renunciou com sete meses de governo. Imaginou voltar ao poder nos
braços do povo. Desconfiado, o povo não se mexeu. Na véspera de tomar posse em
1985, o presidente Tancredo Neves baixou ao hospital. Viveu apenas mais 39
dias. Foi uma comoção. Um ano depois, pouca gente ainda o citava.
LULA SÓ TERÁ a chance de ver o povo escrever o último capítulo de sua
biografia se for de novo candidato a presidente. Do contrário, o mensalão
ficará para sempre como o desfecho de uma trajetória excepcional. Quem diria
que um ex-torneiro mecânico governaria o Brasil duas vezes? Quem diria que seu
partido, dono do discurso da ética, patrocinaria o maior escândalo de corrupção
da História recente do país?
É PATÉTICA a reação de alguns dos condenados do PT às decisões tomadas pelos
ministros do Supremo. Sugerem que os ministros trocaram de lado, unindo-se aos
conservadores. Culpam a imprensa por isso. E incitam os chamados
"movimentos sociais", movidos a dinheiro público, a promover o
"julgamento do julgamento". Voltaremos à época dos júris estudantis
simulados?
OS MENSALEIROS foram sentenciados por uma larga maioria de ministros que
Lula e Dilma escolheram. A imprensa é livre para defender seus pontos de vista,
embora seja falsa a ideia de que atua em bloco cobrando a condenação dos réus.
Até porque a maior fatia dela é chapa-branca, sempre foi e sempre será. Como
não tem independência financeira, não pode sequer fingir que tem independência
editorial.
POR ESPERTEZA e sensatez, Lula aguarda em silêncio o fim do julgamento.
Deveria comentá-lo mais tarde. Não é possível que nada tenha a dizer sobre a
condenação daquele a quem chamou um dia de "o capitão do time" — José
Dirceu. E sobre o pedido de desculpas que apresentou aos brasileiros quando se
disse traído. Admite que o Supremo identificou os traidores?
QUE TAL aproveitar a ocasião e dizer o que o levou a avalizar para cargos
importantes do governo nomes indicados por Rosemary de Noronha, secretária de Dirceu
durante mais de dez anos? Ao herdar Rosemary, Lula a promoveu a chefe de
gabinete da Presidência da República no escritório de São Paulo. Sempre que
viajava ao exterior, Rosemary o acompanhava.
POIS BEM: na semana passada, a Polícia Federal prendeu seis pessoas e
indiciou mais 12, acusadas de fraudarem pareceres em agências e órgãos
federais. Rosemary faz parte do grupo, e mais dois irmãos que ela empregou no
governo. A nomeação de um deles foi recusada duas vezes pelo Senado. Lula
forçou a mão, e, na terceira vez, a nomeação saiu. Enganado de novo, Lula? Sei.
Fonte: O Globo
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