segunda-feira, 15 de maio de 2023

Camila Rocha* - Extrema direita não precisa de fake News

Folha de S. Paulo

Mesmo com PL das Fake News, debate manterá conflitos e divisões políticas

Ainda hoje é comum a ideia de que a força da extrema direita repousa na disseminação de fake news nas redes sociais. Por esse motivo, o projeto de lei 2.630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, e recebeu o apelido infeliz de PL das Fake News, é visto como uma tábua de salvação por certos setores progressistas, sobretudo após a invasão golpista de 8 de janeiro.

É verdade que a aprovação do PL irá dificultar a circulação de conteúdos criminosos nas redes que já se enquadram na lei brasileira, como crimes contra o Estado democrático de Direito, atos de terrorismo e atos preparatórios de terrorismo.

Para tanto, as plataformas serão instadas a conter conteúdos ilícitos de forma análoga ao que já ocorre na legislação recém-aprovada pela União Europeia: o que for ilegal offline também passa a ser ilegal online.

No entanto, a ideia de que a moderação de conteúdos será realizada por algum tipo de Ministério da Verdade que irá dizer o que é verdade ou mentira na internet não se sustenta.

De acordo com Chico Brito Cruz, diretor-executivo do InternetLab, em entrevista ao podcast Café da Manhã, as propostas sobre moderação de conteúdo em jogo são de dois tipos.

A primeira diz respeito a quem deve ser responsabilizado e, eventualmente, pagar por danos relacionados a determinados conteúdos. No caso de conteúdos publicitários, o relator do PL propõe que a plataforma seja responsabilizada e pague pelos danos. Nos demais casos, será necessário o descumprimento de ordem judicial para que a plataforma passe a responder pelo conteúdo danoso.

A segunda é de ordem sistêmica e inspirada pela legislação europeia. Será preciso mapear e analisar regras internas, sistemas automatizados e algoritmos e apontar quais medidas de mitigação de riscos à democracia ou aos direitos de crianças e adolescentes, por exemplo, serão empregadas. As plataformas não serão punidas por casos específicos, mas apenas se houver uma falha sistêmica em coibir conteúdos criminosos.

Ou seja, a regulação não incide sobre conteúdos específicos que eu, você, o tio do "Zap" e a sobrinha do TikTok postam nas redes. Ninguém vai ser perseguido por postagens afirmando que "Lula, ajudado pelo STF, deu um golpe nas instituições brasileiras" ou que "Temer deu um golpe, com o Supremo, com tudo", e as empresas não irão vetar tudo o que possa parecer fake news sobre temas sensíveis listados na lei, preocupações explicitadas por Joel Pinheiro da Fonseca nesta mesma seção.

Assim, ainda que as redes sociais se tornem espaços mais seguros com a aprovação do PL, o debate público continuará permeado pelos mesmos conflitos políticos e divisões ideológicas.

E a extrema direita não irá desaparecer em um passe de mágica. Afinal, a disseminação de suas principais ideias e narrativas prescinde de fake news e conteúdos abertamente criminosos, uma vez que o processo estrutural que de fato é responsável por seu fortalecimento, e que compreende a erosão da ordem neoliberal, a falência do modelo social-democrata e a crise de legitimidade da ação estatal, apenas continua a se aprofundar.

*Doutora em ciência política pela USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Não entendi muito bem o último parágrafo.