quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Efeitos da crise


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. O movimento do candidato republicano John McCain, de colocar a solução da crise financeira como prioritária em relação à campanha presidencial, foi sem dúvida inteligente, embora o que interesse mesmo ao senador seja ganhar fôlego para tentar recuperar os pontos perdidos nos últimos dias nas pesquisas de opinião. Como nada mudou de uma semana para cá, a não ser os números das pesquisas, que agora dão a vitória de Barack Obama por até nove pontos percentuais de diferença, o que McCain quer com a proposta de adiar o debate, e os dois candidatos se integrarem aos congressistas que estão tentando um acordo em Washington com o governo, é dar a seu gesto um tom quase heróico, colocando-o como o líder que assume a responsabilidade quando o momento exige.


Adiantando-se a Obama em público, McCain tenta dar a sensação de que está mais preparado para enfrentar as emergências. Abrindo mão da campanha para participar das negociações, ele quer parecer o candidato mais aberto para os problemas do país, o que não usa as dificuldades para fazer politicagem.


É uma maneira inteligente de fazer politicagem, pois foi a partir de um telefonema de Obama, sugerindo que os dois fizessem uma declaração conjunta sobre a situação atual da economia, que McCain contrapropôs o adiamento do debate e a ida de ambos para Washington.


A campanha de Obama ainda marca a posição de que é possível fazer as duas coisas, participar das negociações e debater na Universidade do Mississippi, mas, como acontece desde o início da crise, o fato é que o democrata não tem conseguido ser pró-ativo, limitando-se a um discurso que pode ser resumido como "eu não disse?".


Sua dianteira nas pesquisas deve-se muito mais ao impacto da crise econômica na decisão dos eleitores do que a seus méritos próprios. Obama hoje, quando 83% dos eleitores consideram que o país está no rumo errado, é a opção automática. A tentativa de adiar o debate, se vista como uma demonstração de fraqueza, pode dar a Obama a chance de colocar-se na dianteira.


As bancadas dos democratas na Câmara e no Senado têm tido uma participação agressiva nos debates do Congresso em Washington, e partiu delas a definição de que o pacote apresentado pelo secretário do Tesouro, Henry Paulson, e pelo presidente do Banco Central americano (Federal Reserve), Ben Bernanke, não poderia ser aprovado do jeito que chegou ao Congresso.


Há uma convicção generalizada nos meios políticos e financeiros de que os dois jogaram errado ao tentarem fazer com que o Congresso engolisse o pacote sem uma negociação, esquecendo-se de que, em meio a uma campanha eleitoral, é praticamente impossível obrigar candidatos à eleição dentro de quarenta dias a aprovarem medidas impopulares, num pacote que não tem o consenso no meio econômico.


O único consenso é que alguma coisa precisa ser feita, e o pacote do governo americano pode ser o mais próximo do que é preciso fazer, mas tem muitos defeitos que precisam ser pelo menos amenizados. Há, é certo, o perigo de que o período eleitoral exacerbe o populismo econômico, que tem sido a marca dos democratas nas últimas eleições e que foi responsável por colocá-los com a maioria no Congresso.


Mas, até mesmo o republicano McCain está aderindo a esse estilo, tentando livrar-se da sombra da administração George W. Bush. O temor é que o ambiente político, que reflete o ânimo da opinião pública, de repúdio aos "especuladores" de Wall Street, leve a decisões de curto prazo equivocadas e que prejudiquem o funcionamento do sistema financeiro americano a longo prazo.


Aplacar a raiva do contribuinte com uma contenção excessiva dos salários dos executivos financeiros pode fazer com que o pacote de salvação se torne inviável. O problema é definir o que é excessivo, o que merece ser punido, como deve ser regulado o futuro sistema financeiro para que tenha eficiência e gere prosperidade, sem os níveis de irresponsabilidade que estavam sendo tolerados em Wall Street.


O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, que está em Nova York para uma série de contatos, continua espantado com o que está surgindo: "A cada vez que se vê de mais perto, pior parece a situação", comentava ele ontem.


A imagem que usa é a de um paciente na sala de cirurgia, de peito aberto, à espera da operação salvadora que não começa. O pacote proposto pelo governo seria essa intervenção para salvar o paciente na UTI, e, quanto mais demora a ser aprovado, mais se reduz a possibilidade de salvar o paciente.


Armínio acha que não aprovar o pacote seria "uma irresponsabilidade", e considera que a entrada nas negociações dos dois candidatos a presidente é uma medida acertada, pois quem vencer a eleição de 4 de novembro terá pela frente um mandato tumultuado pelas conseqüências do aumento do déficit público.


Armínio Fraga fez um paralelo com a situação brasileira em 2002, na campanha presidencial em que Lula foi eleito, ressalvando que naquele momento havia, além dos problemas de crédito do país, mais uma percepção negativa diante da provável vitória de Lula do que os graves problemas que hoje enfrenta a economia americana.


Com relação ao Brasil, o ex-presidente do Banco Central é otimista, considerando que a gestão de Henrique Meirelles está fazendo um trabalho de controle da inflação fundamental, compensando a tendência gastadora do governo central.


Se o pacote do governo americano conseguir colocar um pouco de ordem no sistema financeiro, e se nós no Brasil não forçarmos a barra para manter um crescimento forte no ano que vem, é possível que já em 2010 as coisas voltem ao eixo normal, avalia Armínio Fraga.

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