Antes mesmo de o STF
fixar a pena de José Dirceu no julgamento do mensalão, parentes do ex-ministro
se preparam para uma eventual detenção em regime fechado. "Meu medo é que
ele se mate na prisão", conta a primeira mulher, Clara Becker, a Débora
Bergamasco. E ataca: "Se ele pagou (mensalão) foi pelos projetos do
Lula".
"Dirceu e
Genoino pagam por Lula"
Clara Becker afirma que ex-ministro, com quem viveu por quatro anos no
Paraná, "não é ladrão"
Débora Bergamasco
CRUZEIRO DO OESTE - A família do ex-ministro José Dirceu (Casal Civil) já se
prepara para o pior: sua condenação em regime fechado por envolvimento com o
mensalão. Enquanto o Supremo Tribunal Federal não decide a pena, parentes já
planejam como serão as visitas na cadeia. A refeição da penitenciária é uma das
preocupações, pois ele é reconhecido como um sujeito bom de garfo. "Meu
medo é que ele se mate na prisão", chora Clara Becker, 71 anos, sua
primeira mulher e mãe de seu filho mais velho, o deputado federal Zeca Dirceu
(PT-PR).
Casados por apenas quatro anos na época da ditadura militar, ela é amiga
próxima do ex-marido há mais de três décadas e tem certeza de que "Dirceu
não é ladrão". "Se ele fez algum pecado, foi pagar para vagabundo que
não aceita mudar o País sem ganhar um dinheiro (...) Se ele pagou, foi pelos
projetos do Lula, que mudou o Brasil em 12 anos", afirma, referindo-se ao
pagamento a parlamentares da base aliada que receberam dinheiro para votar a
favor de propostas do governo do ex-presidente Lula, segundo a denúncia do
Ministério Público.
Para ela, militantes do PT como Dirceu e José Genoino, ex-presidente do
partido, estão sendo sacrificados. "Eles estão pagando pelo Lula. Ou você
acha que o Lula não sabia das coisas, se é que houve alguma coisa errada? Eles
assumiram os compromissos e estão se sacrificando", indigna-se.
"Sabe, é muito sofrimento. Uma vez peguei meu filho chorando de
preocupação com o pai. E minha neta, Camila, também sente muito."
Desde que começou o julgamento da ação penal 470, Dirceu diminuiu sua
exposição pública. Para se poupar de constrangimentos, ele evita circular com
desenvoltura, ser visto em Brasília ou jantar fora - seu passeio predileto.
Agora, o ex-todo-poderoso do governo Lula lista quem são seus amigos fiéis e os
recebe em sua casa de São Paulo ou na de Vinhedo (SP). No fim de semana do dia
7 de outubro, eleição municipal, ouviu ao telefone uma ordem expressa:
"Benhê, limpa a área que eu tô chegando". Era Clara avisando que lhe
faria uma visita na casa do interior paulista e deixando claro que não queria
dividir a atenção do ex-marido com mais ninguém - nem com a atual namorada
dele, Evanise Santos. Clara saiu de Cruzeiro do Oeste, no interior do Paraná,
levando em um isopor uma peça de carneiro temperada no vinho branco e alecrim.
Instruiu a empregada a deixar a carne três horas no forno, enquanto aguardava o
anfitrião chegar em casa.
Quando ele apontou no portão, ela ouviu também uma voz feminina. Chispou
escada acima e se trancou no quarto, alegando enxaqueca. Só desceu quando seu
filho bateu na porta e avisou que a "dor de cabeça" já havia ido
embora. Depois do fim de semana de comilança e champanhe, Dirceu despediu-se
dela, dizendo: "Preciso ir embora mais cedo para São Paulo, tenho que
eleger o (Fernando) Haddad".
Parente. "Hoje gosto dele como se fosse meu parente, mas já sofri
muito. Sabe aquele homem que é tudo o que pediu a Deus? Pois Deus me deu e me
tirou", sorri. Clara, que conta nunca mais ter namorado depois de viver
com o ex-ministro, foi casada, na verdade, com Carlos Henrique Gouveia de
Mello, um jovem órfão paulistano de origem argentina, pessoa que nunca existiu,
a não ser no disfarce adotado pelo então subversivo banido do Brasil e
procurado pelo regime militar.
Clara sabia que o marido guardava um segredo. Imaginou que ele tivesse uma
família em outra cidade, mas que teria fugido "da bruxa da mulher dele e
se ele quer ficar comigo e não com ela, deixe ele aqui, né?", lembra. Só
quando a anistia política foi decretada, em 1979, foi que José Dirceu contou à
mulher quem realmente era, apontando uma foto dele e de outros exilados em
recorte de jornal. "Pensei assim: "Ai, era isso? Grande coisa",
porque nem estava por dentro do que aquilo significava."
Sua preocupação foi ter registrado o filho com o nome de um pai fantasma.
Mas compreendeu a importância da mentira. Também diz não ter-se magoado quando,
assim que voltou a ser Dirceu, mudou-se para São Palo. "Ele até quis que
eu fosse junto, mas não dava, eu estava com filho pequeno, ajudava minha
família e ele nem salário tinha, só queria saber de fundar essa miséria desse
PT", conta ela, que é petista roxa, com direito a uma piscina nos fundos
de casa decorada com a estrela e a legenda do partido em minipastilhas.
Arrependida. Para ela, o único golpe foi ir a São Paulo e encontrar cabelos
pretos de mulher no banheiro. Descobriu que era traída. "O Dirceu me
disse: "Se eu tenho outra é um problema, agora se a gente vai se separar é
outra questão". E eu: "Não, senhor, acabou aqui, cara". Peguei
minhas coisas, o moleque pela mão e fui embora. Hoje, me arrependo, se eu não
tivesse deixado o campo limpo, estaria com ele...", imagina.
Ela diz já ter preferido ser viúva a ver Dirceu "cada dia mais
bonito" indo em sua casa visitar o filho todo mês. Depois se convenceu de
que seria melhor para Zeca ter o pai por perto e sempre cedia sua cama para o
ex-marido dormir com mais conforto, mesmo que ele não tenha contribuído com um
centavo de pensão. Clara acha que nunca foi amada por ele. "Dirceu nunca
amou nenhuma mulher nessa vida, viu? O que ele amou foi a política e pode ir
preso por isso", diz. "Agora que o cartão de crédito acabou, quero
ver quem vai lá visitá-lo", provoca.
Em um de seus últimos encontros com o ex-marido, Clara o fez chorar:
"Eu disse a ele: "A nossa ampulheta está acabando, você não se tocou,
hein, garoto? Mas se um dia você precisar de mim, eu venho cuidar de
você". Ele ficou todo apaixonado e prometeu que ia me comprar um cordão de
ouro igual ao que o ladrão me roubou. Mas não comprou, né, só falou..."
Fonte: O Estado de S. Paulo
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