Não há nada pior para a democracia do que um estado permanente de desconfiança. Quando os cidadãos vão muito além do saudável ceticismo em relação ao poder e, de maneira irrefletida, passam a não acreditar mais nas instituições nem nos pactos constitucionais, tem-se uma situação em que tudo o que emana das estruturas que regulam a vida social, política e econômica do País torna-se objeto de descrença, quando não de hostilidade.
Em situações desse tipo, a realidade é sumariamente ignorada, muitas vezes de forma deliberada, prevalecendo uma percepção distorcida e confusa sobre a conjuntura nacional, reforçada por um tremendo mau humor em relação ao establishment político e econômico. A versão segundo a qual nada que venha do governo, do Congresso ou da Justiça tem valor começa perigosamente a se impor.
Tome-se o exemplo das recentes pesquisas de opinião que qualificam Michel Temer como o mais impopular presidente da história do País e expressam profundo pessimismo a respeito da economia. Em nenhum dos dois casos a percepção se sustenta nos fatos. Por nenhum parâmetro racional se pode considerar o presidente Temer pior, por exemplo, do que sua antecessora, Dilma Rousseff, que praticamente arruinou a economia nacional e foi defenestrada da Presidência, entre outras razões, por ser incapaz de se relacionar com o Congresso. Temer, ao contrário, restabeleceu o diálogo com deputados e senadores e, a partir dessa base, essencialmente democrática, criou as condições necessárias para reorganizar as contas públicas e encaminhar uma importante agenda de reformas. Tudo isso, aliado à escolha de uma competente equipe econômica, controlou a inflação, que sob Dilma havia desembestado, tirou o País da recessão e devolveu ao setor produtivo a capacidade de crescer e gerar empregos.
No entanto, graças ao clima de caça aos corruptos que se instalou no País, em que todos os políticos passaram a ser considerados ladrões, Temer acabou sendo alçado ao lugar mais alto do panteão da corrupção da política nacional – e tal percepção manteve-se inabalável mesmo depois que se comprovou a constrangedora inépcia das denúncias feitas contra o presidente pela Procuradoria-Geral da República. E essas denúncias bastaram não apenas para desmoralizar o presidente, que hoje ostenta 3% de aprovação, segundo pesquisa do Datafolha com margem de erro de 2 pontos porcentuais, como também para desqualificar as reformas que ele tentou promover.
Junta-se a isso a impressão, igualmente sem respaldo na realidade, de que a situação econômica do País está muito pior agora – na pesquisa do Datafolha, 72% dos entrevistados deram essa opinião, 20 pontos porcentuais acima do verificado em abril. Nenhum dado do cotidiano econômico dos brasileiros apresentou, nesse intervalo, deterioração que justificasse tamanho aumento de ceticismo.
Outra pesquisa, feita pelo Instituto Locomotiva e publicada pelo Valor, indica que, para 48% dos entrevistados, a vida não melhorou nos últimos 12 meses e 23% consideram que a vida ficou pior. Ao mesmo tempo, 85% acham que a política está igual, pior ou muito pior. Não parece despropositado relacionar esses dois cenários, para concluir que a descrença na política contribui decisivamente para piorar o humor em relação ao bolso.
Quem ganha com isso são os liberticidas, aqueles que, justamente por não terem compromisso com a democracia, podem prometer o impossível – e por isso aparecem tão bem posicionados nas enquetes de intenção de voto. A esperança de que esse quadro mude reside na imensa massa de eleitores que não têm candidato, seja por indecisão, seja por desprezar todos os que se apresentaram até agora. É possível que esses eleitores sejam tão ou mais céticos do que aqueles que declaram voto nos inimigos da democracia; mas também é plausível que eles estejam apenas esperando que algum candidato consiga convencê-los de que, a despeito das aparências, é possível resolver os imensos problemas nacionais por meio do diálogo político – e dentro das regras da democracia.
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