- Folha de S. Paulo
Apesar da bagunça dentro de casa, finanças externas até que vão bem
O Brasil não parece um país em situação tão assustadora quando visto apenas de fora, do exterior. Para ser mais preciso, a entrada de capitais, a rolagem de dívida externa e indicadores das transações com o resto do mundo não sugerem que o dinheiro esteja dando o fora daqui.
Mesmo o aperto geral nas condições de financiamento de países ditos emergentes, como o Brasil, não causou abalos, com a exceção circunstanciada do dólar. Haveria algo de errado nisso que parece estar dando certo, a relativa ordem e calmaria nas contas externas?
A situação doméstica é ruinosa, sim. A atividade econômica está longe de se recuperar do tombo que começou em 2014, os governos estão quebrados e não há por ora indício de que o presidente a tomar posse em 2019 tenha capacidade política e/ou ideias econômicas razoáveis o bastante para começar a arrumar esta bagunça.
Além do mais, não leva muito tempo, uns poucos meses, para que uma situação externa confortável possa mesmo ficar sufocante, até de modo surpreendente.
Na crise internacional de 2008-2009, quando a vida no Brasil parecia risonha e franca, uma seca abrupta de financiamento externo e a alta do dólar arrebentaram empresas gigantes que faziam jogatina no mercado de câmbio, várias delas sendo salvas por ajudas diretas e indiretas do governo Lula 2.
Os sinais vitais das contas externas, no entanto, no momento são estáveis, com exceção de alguma febre no dólar. A moeda americana ficou uns 25% mais cara desde o início de abril. É uma pressão sobre os índices de preços gerais ou de atacado, que podem fechar o ano perto de 8%, o dobro da inflação do consumidor.
Empresas podem repassar essa alta de custos para o varejo, que, no entanto, não tem aturado muito preço maior, dada a hipotermia econômica. Risco de inflação e outras badernas econômicas fazem com que o povo do mercado financeiro faça negócios com base na ideia de que o Banco Central deva elevar os juros em 1,5 ponto percentual daqui até o início do ano que vem.
Ainda assim, tanto a volatilidade quanto o nível do preço do dólar não chegam perto daqueles do tumulto de 2002 (quando, sim, tínhamos problemas graves no front externo). O fluxo cambial está
no azul. Os preços de commodities vão bem.
A taxa de rolagem de dívida externa, a razão entre ingressos de dinheiro e as amortizações, não está em nível exuberante, mas é confortável, ainda mais quando se considera a retranca em que estão jogando as empresas no momento, dada a incerteza eleitoral.
O investimento direto no país diminuiu um pouco, como proporção do PIB, mas cobre com folga o déficit externo.
Os “estrangeiros” (não residentes) deram um tanto o fora da Bolsa (têm cerca de metade do valor das ações), é verdade. Considerados os preços em dólar, a Bovespa está ainda mais baratinha. Vale o dobro do registrado no fundo do poço da virada de 2015 para 2016, mas está 30% abaixo do nível visto na euforia recente, em março, por exemplo. Dissipadas as nuvens mais escuras, se levanta desse tombo.
Em suma, nada no Brasil de hoje é brilhante. Mas há um contraste forte, de uma casa de interior em pandarecos com uma situação externa arrumadinha, que por ora não parece assustar o povo lá fora, ou que tem dinheiro no exterior.
Claro, podemos atear fogo nas portas e janelas em pouco tempo. Mas, sob certo aspecto, não parecemos um caso perdido, nem de longe.
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