- O Estado de S.Paulo
O
presidente é um, o candidato é outro, mas Bolsonaro será sempre Bolsonaro
Se dá de ombros para 100 mil mortos pelo coronavírus, passou décadas defendendo
torturadores como Pinochet, Stroessner e Brilhante Ustra, criou atritos em
série com parceiros tradicionais do Brasil e nunca deu bola para inclusão
social e combate ao racismo, à homofobia e ao machismo, o agora nova e
prematuramente candidato Jair Bolsonaro deu
um cavalo de pau e mudou tudo em favor da reeleição em 2022.
Os dois novos exemplos são a surpreendente manifestação do presidente em
defesa do entregador de aplicativo ofendido por um grandalhão racista e,
também, sua decisão de enviar uma missão humanitária em grande estilo para o Líbano. Decisão tão
acertada, principalmente do ponto de vista do marketing, que ele vai a São
Paulo amanhã para o embarque da missão – ao vivo, em cores e pronto para fotos.
Em 2017, Bolsonaro prometeu que, se eleito, “não teria um centímetro
demarcado para reserva indígena e quilombola”. E explicou: “Eu fui num
quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada.
Eu acho que nem para procriador ele serve mais (...) Se eu chegar lá (à
Presidência), não vai ter dinheiro pra ONG. Esses vagabundos vão ter que
trabalhar”.
Com Bolsonaro de volta ao palanque, o papo é outro. Foi por isso, e
porque seus assessores lhe deram o texto mastigadinho, que ele saiu em defesa
do motoboy Matheus Pires, negro, 19 anos, alvo de Mateus Prado
Couto, que, mostrando a própria pele, muito branca, atacou: “Você tem inveja
disso aqui”.
Se Bolsonaro fosse falar de improviso, não ia dar certo. Então, ele
assumiu o texto do Planalto: “Atitudes como esta devem ser totalmente
repudiadas. A miscigenação é uma marca no Brasil. Ninguém é melhor do que
ninguém por conta de sua cor, crença, classe social ou opção sexual”. Nem
parecia Bolsonaro. E não era mesmo. Era o assessor.
Na campanha de 2018, Bolsonaro também criou dificuldades diplomáticas
para o então presidente Michel Temer e
uma confusão dos diabos com o mundo árabe ao anunciar que acompanharia Donald Trump e
trocaria a embaixada brasileira em Israel, de Tel-Aviv para Jerusalém – o
centro da disputa entre judeus e palestinos.
O Egito cancelou uma visita do chanceler de Temer, a Liga Árabe se
rebelou, mas, apesar disso, e da ameaça às exportações de U$ 5 bilhões em
carnes para os países árabes por ano, Bolsonaro manteve a ameaça após a posse.
Até os generais brasileiros entraram em ação para explicar ao presidente algo
de geopolítica, diplomacia, interesse nacional, questões de Estado e
importância das exportações. A ideia foi adiada.
Hoje, com a embaixada mantida em Tel-Aviv e após viagens e salamaleques
para os árabes, Bolsonaro tem um gesto de grandeza – ou de oportunismo – e
envia uma missão humanitária para Beirute. Um avião da FAB levará medicamentos
e equipamentos médicos, sob comando do próprio Temer, filho de libaneses. Só
para lembrar, há mais libaneses no Brasil do que no próprio país. Um oceano de
votos.
Bolsonaro vai trocando a indumentária incômoda de presidente pela
fantasia agradável de candidato. Em vez de tortura e crises diplomáticas,
missão humanitária; em vez de arroubos racistas, machistas e homofóbicos,
discurso inclusivo; em vez de tudo para ricos e grileiros, ajuda emergencial e
um novo Bolsa Família para chamar de seu. E, em vez de bater na “velha
política”, um abraço no Centrão.
Só não peçam para Bolsonaro voltar atrás na negação da pandemia. Aí, já
seria demais. No sábado, dia em que o Brasil chorava mais de 100 mil mortos e
de 3 milhões de contaminados, Bolsonaro estava em outra galáxia, comemorando na
redes: “Parabéns Palmeiras, campeão paulista 2020!” O presidente é um, o
candidato é outro, mas Bolsonaro será sempre Bolsonaro.
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