Na noite desta quarta, o Brasil assistiu, envergonhado, a um debate indigno do Legislativo e sua tradição democrática. Na forma e no conteúdo, houve o que o deputado Roberto Freire com acerto classificou como tentativa de golpe.
Todos já esperávamos que a reforma política fosse adiada outra vez, por falta de interesse dos que estão no poder e não querem mudar o sistema que lhes favorece. Mas há um fantasma que querem afastar: que novos partidos políticos (especialmente a Rede Sustentabilidade, que recolhe assinaturas para seu registro e ousa antecipar em seu estatuto avanços como o teto de contribuição financeira, limitação de dois mandatos para parlamentares etc.) venham renovar a política brasileira e mudar, na prática, regras que permanecem no papel.
A imprensa noticiou uma reunião no Planalto em que o governo instruiu seus operadores a votarem, em regime de urgência, um projeto que retira dos novos partidos o acesso ao tempo de TV e ao fundo partidário. Os direitos que foram garantidos a um partido aliado, recém-criado, seriam negados aos que não seguem a cartilha governista. Esse é o conteúdo do debate, baseado numa ética de ocasião expressa pela máxima "Aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei".
Mas a forma conseguiu ser pior. Basta ver as metáforas de mau gosto, com termos impróprios à publicação, usadas para debater as regras políticas da República. O regime de urgência não passou por falta de dez votos. A bancada governista diz que aprovará o projeto na próxima semana. Talvez o tempo sirva para que os deputados repensem a forma e o conteúdo do debate.
Os movimentos que defendem o patrimônio socioambiental exigem ética na política, protestam contra o loteamento dos cargos públicos, além de outras justas causas do povo brasileiro. Buscam ampliar a visão encurtada pelo poder a qualquer preço, democratizar os processos políticos monopolizados pelos partidos e criar novas estruturas para reconectar a política com a ideia de bem público. Justamente o contrário dos privilégios e deleites particulares sugeridos pelas metáforas vulgares. Esse é o novo conteúdo que trazem a um debate que precisa chegar ao século 21, que bate à nossa porta de forma dramática.
Renovar a linguagem é urgente. Em vez do ódio, expresso em ofensas, estimulado numa polarização em que o outro é visto como inimigo, deve ter espaço a fraternidade, capaz de construir consensos sobre o que é urgente para o futuro. É por isso que o novo ativismo, que está na base das novas propostas políticas, é bem-humorado, criativo, irreverente sem ser desrespeitoso.
Uma nova política tem como uma causa central a qualidade da educação. É o que parece faltar à velha política.
Marina Silva, ex-senadora e ex-ministra do Meio Ambiente
Fonte: Folha de S. Paulo
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